Crônicas de viagens – Parte I

Nessa crônica, um pouco dos bastidores de como era viajar de ônibus na década de 1990 pelas estradas brasileiras. 
*Publicada em 03/04/2015 e atualizada em 05/02/2024.

Modelo Tribus da Viação Itapemirim dos anos 90. Foto: internet
Desde criança, viajar faz parte da minha vida. No passado eu viajava (de ônibus) até três dias pelas rodovias do Brasil, do Rio de Janeiro rumo ao nordeste do país. Como era fantástico estar dentro de um ônibus rodoviário olhando pela janela as paisagens deste país chamado Brasil. E detalhe, a viagem era desconfortável, com poltronas semi-reclináveis e sem ar condicionado. O único vento que existia, entrava pela janela, isso quando estava sol ou tempo bom. Quando chovia, precisava fechar. A empresa que eu e minha família viajava era a Itapemirim. Cresci vendo e sabendo que essa empresa ligava o Brasil de ponta-a-ponta. Conheci vários estados e cidades, paradas de ônibus e diversos motoristas que nos cumprimentavam e passavam as instruções ao longo da viagem.

Rio-Bahia. Imagem: Vicente Sampaio/Flickr

 

Descobri que a Bahia é um estado muito grande. O ônibus entrava no início da manhã no estado e ao anoitecer ainda estávamos em território baiano. A BR-101 era nossa rota do RJ, passando pelo Espírito Santo e Bahia. E ainda era a metade da viagem até o estado do Maranhão. Depois de Feira de Santana/BA, a viagem demorava até Petrolina, no estado de Pernambuco. Aí mora o perigo! O ônibus chegava à noite na cidade de Petrolina e parava em um terminal ou rodoviária (não me lembro) e tinha que esperar horas até sair um grande comboio de ônibus com viaturas da polícia rumo a cidade mais próxima, já praticamente na divisa com o estado do Piauí. Por que? Assaltos. A rodovia na época (BR-407) não era boa e os assaltos eram frequentes. Essa parte da viagem era a mais assustadora possível, não tinha sensação de segurança! 

BR-135 no Piauí. Imagem: divulgação/internet

Na manhã seguinte, o café era em Picos, já no estado do Piauí. Depois da madrugada tensa, o dia era outro, muito melhor (na medida do possível). Pois, dois dias viajando de ônibus convencional, o cansaço era grande e o gasto financeiro também (segundo meus pais, hehe). Nesse tempo todo de viagem, a gente fazia amizades com as pessoas que viajavam no mesmo ônibus. Eu não me recordo desta época, somente anos seguintes quando estava com mais idade, saindo da fase de criança para adolescente. 



Outros problemas que surgiam, eram os “defeitos” nos ônibus. A Viação Itapemirim praticamente fabricava os ônibus convencionais e executivos da época (tendo esses modelos até o início dos anos 2000). O convencional se chamava TRIBUS: chassi e motor da Mercedes-Benz (Monobloco) e era de carroceria forte. Mesmo assim eles “quebravam”, linguagem usada por passageiros e motoristas. Aí tinha que contar com a sorte do motorista em tentar resolver o problema ou da empresa mandar outro veículo que vinha da base mais próxima, ou seja, de outra cidade. Isso atrasava ainda mais a viagem. Era algo normal. Ficávamos vulneráveis em estradas/rodovias deste Brasil quando isso acontecia. 

TRIBUS Itapemirim, serviço convencional na década de 1990


Tudo poderia ficar ainda pior? Sim, poderia! O banheiro do ônibus era a coisa mais desconfortável que existia. Depois de um dia de viagem, 44 passageiros utilizando o mesmo banheiro do ônibus, o odor era o mais desagradável possível! Nas paradas (intervalos) da viagem que ocorria a cada 4 horas para almoçar, jantar ou tomar café da manhã, os banheiros das lanchonetes/restaurantes ficavam cheios dos passageiros que não conseguiam utilizar o ‘toilet’ do ônibus, pois ficava muito sujo. E só “limpavam” o nosso ônibus 1 vez por dia em uma parada mais complexa. Ou seja, 3 dias viajando e o banheiro mais o interior do ônibus só eram limpos 3 vezes. Quando a coisa estava muito suja, os passageiros clamavam ao motorista e aconteciam 2 limpezas naquele dia para minimizar a sujeira. Não eram todas as bases ou paradas que tinham suporte com equipe de limpeza e manutenção dos veículos. E ainda tinha outro problema de viajar em épocas de férias: vários ônibus extras fazendo o mesmo itinerário com diferença mínima de horário. Aí dava ruim: dezenas de ônibus amarelos escritos TRIBUS da Itapemirim, fazendo a mesma rota, haha. Era preciso gravar o número do veículo que eu viajava para não confundir. A identificação era pelo número do ônibus (40030, por exemplo). Enquanto o “busão” passava por uma vistoria/limpeza, era hora de todos nós passageiros comer alguma coisa (almoço, janta, etc) e ter a oportunidade de comprar biscoitos e doces para o entretenimento à bordo durante a viagem, afinal, não existia celular modelo smartphone, não havia revista de bordo e muito menos TV. O único entretenimento garantido eram as paisagens vistas das janelas do ônibus. 

STARBUS (Serviço Executivo) da Viação Itapemirim a partir de 1995. Foto: divulgação/internet

Voltando às cidades, de Picos (PI) à Peritoró, já no estado do Maranhão, era ansiedade pura. A hora de descer do ônibus e concluir a primeira etapa da viagem era o sonho do dia. Porque depois tinha mais estrada e outro ônibus até a cidade onde meu avô reside. No interior do ônibus tinha tudo que você possa imaginar: toalhas de banho “penduradas”, lençóis, travesseiros, bolsas com comidas, biscoitos, bebidas, gente que não tomava banho (nas paradas que permitia o mesmo) – detalhe a parte, hehe – crianças chorando, casal “namorando”, calor, suor, cansaço e desconforto. Essa aventura fez parte da minha vida durante a infância (Rio de Janeiro X Nordeste), durante o início da adolescência (incluindo Rio X Brasília) e terminou em meados dos anos 2000. Mas antes, no final da década de 1990, a coisa melhorou: passei a viajar em ônibus ”frescão” como era chamado na época aqui no Rio. Os veículos executivos da Itapemirim, os modelos “STARBUS” tinham o abençoado ar condicionado, água mineral, banheiro (um pouco melhor) e poltronas anatômicas melhores e com mais inclinação. Ônibus Executivo, mas era bem melhor do que viajar em modelo convencional. 

Aeroporto Tom Jobim, Rio de Janeiro. Foto: Rio Galeão



No início da década de 2000, as passagens aéreas ficaram mais acessíveis e todo sofrimento acabaria. Trocamos a Itapemirim que foi muito útil em nossas vidas, pela antiga TAM e seus aviões AIRBUS A320 ou A321, que diminuiu o tempo de viagem de 3 dias entre Rio de Janeiro e o Maranhão para 3 horas entre o Aeroporto Internacional Tom Jobim (GIG) e Aeroporto Marechal Cunha Machado (SLZ) em São Luís. Foram 6 viagens de ônibus antes de mudar para o avião. Hoje, viajar de ônibus pelas estradas do Brasil tem seu preço: gasto elevado com alimentação (café da manhã, almoço, lanche, jantar) e possíveis emergências. Naquela época e ainda hoje, existe a insegurança e o grande risco de acidentes. Viajar de avião é mais rápido, barato (custo x benefício), seguro e eficaz. Mas há aqueles que ainda preferem viajar longas distâncias no transporte rodoviário, como a rota que eu citei nesta crônica (Rio de Janeiro x São Luís) que, por décadas, foi operada pela Viação Itapemirim. Eu aplaudo, pois é uma aventura sem igual. Tem seus prós e contras, mas, ao ver as belíssimas paisagens deste Brasil, a vegetação diversificada, conhecer as cidades, compartilhar experiências e emoções a bordo dos ônibus é algo que nenhuma aeronave pode proporcionar desta maneira. Até a próxima viagem!


Publicada por: Gabriel Carvalho | @bieltraveler 

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Gabriel Carvalho

Gabriel Carvalho

Administrador, viajante, Comissário de Voo por formação na aviação. Ama o Turismo e já fez intercâmbio em Dublin, na Irlanda. Natural de Petrópolis, reside no RJ e é proprietário do Blog International Route. Contato: @bieltraveler